Por Gisele Scafuro
“Fora da caridade não há salvação” x “Fora da Igreja não há salvação”: eis um dos contrapontos centrais trazidos pela Revelação Espírita de Allan Kardec. O que ele nos apresenta, em essência, é algo que muitos pensadores e estudiosos já intuíram: a religião institucionalizada, ao longo dos séculos, não garantiu à humanidade um avanço vertical — aquele que toca o que é mais profundo e essencial, segundo os princípios cristãos, morais e espirituais. Em vez disso, permanecemos em uma horizontalidade repetitiva, presos a dogmas, ritos e obediências, sem questionamento, sem transformação real. Tornamo-nos devocionais, programados como autômatos espirituais, repetindo fórmulas que pouco nos elevam.
Surge, então, a pergunta: é dentro da Igreja, ou religião, que encontraremos a salvação, ou será que ela se revela em outro caminho?
Kardec foi ousado ao afirmar: “Fora da caridade não há salvação.” Mas que caridade é essa?
Quando olhamos para o termo “charité”, no francês da época, percebemos que o significado era muito mais amplo do que o espiritismo posterior acabou assimilando. Por traduções ou interpretações limitadas, reduziu-se o termo ao gesto assistencial ou material. Contudo, “charité” abrangia:
- benevolência,
- tolerância com as imperfeições alheias (o não julgamento),
- amor universal,
- solidariedade,
- compaixão.
Neste sentido, a caridade apontada por Kardec é, talvez, uma chave para o desenvolvimento vertical da consciência: um caminho de transformação moral, psicológica e espiritual, espelhado nos exemplos deixados por Jesus.
Tomemos apenas a tolerância como exemplo. É quase unânime reconhecer que um mundo menos violento só será possível quando formos capazes de respeitar a diversidade de ideias, crenças e culturas. A paz externa é reflexo da paz interna — e vice-versa.
Mas antes de sermos tolerantes com o outro, precisamos aprender a sê-lo conosco. Jesus nos lembrava: “Vós sois deuses”. Ou seja, o sagrado já habita em nós. Precisamos, portanto, voltar o olhar para dentro, acolher nossas fragilidades, julgar-nos menos e buscar mais. A forma como nos tratamos reflete diretamente em como tratamos o mundo. Amar o outro só é possível quando aprendemos, primeiro, a nos amar.
É uma busca contínua, num mundo ainda marcado pelo caos. Mas devemos nos transformar em flores de lótus, que, mesmo nascendo no lamaçal, desabrocham puras e belas. Se cada ser humano se tornar essa flor, o lamaçal dará lugar a um jardim. É o movimento de dentro para fora que gera equilíbrio, paz e felicidade — esta última entendida não como prazer imediato, mas como a paz de consciência, aquela certeza íntima de estarmos fazendo o nosso melhor.
Assim, podemos compreender: fora da caridade — no sentido mais profundo do termo — não há salvação.
E talvez, em termos práticos, o primeiro passo seja simples, ainda que desafiador: cultivarmos mais tolerância, dignidade e coerência.
Não há um único caminho, nem uma fórmula universal. Cada um deve encontrar sua própria via, lembrando sempre que as respostas já estão dentro de nós. O que pode ajudar é o contato com as ferramentas disponíveis — psicologia, terapias holísticas, filosofia, ciência, mitologia, entre muitas outras — que nos impulsionam ao autoconhecimento e ao desenvolvimento do senso crítico, moral e ético.
Mais do que discursos, precisamos de coerência entre fala, pensamento e ação. Afinal, o exemplo educa mais do que qualquer teoria.
Por isso, não devemos ser prisioneiros de paixões cegas nem negociar com Deus, santos ou entidades, como se o sagrado fosse comércio. Tudo o que necessitamos já foi semeado em nós: somos seres espirituais e eternos, portadores de algo maior do que imaginamos. Em nossa essência está a chave não apenas da nossa cura, mas também da cura do todo.
Nos cabe, então, trilhar o caminho vertical, único, sem esperar fórmulas mágicas. O esforço, a constância e a lucidez são os verdadeiros instrumentos da “iluminação pessoal”. Frise-se, parece não haver um salvador fora, apenas a possibilidade de nós mesmos a alcançarmos por meio de um caminho que é de dentro para fora.
E assim, ouso recriar a frase de Kardec:
“Fora da tolerância com nossas imperfeições e com as alheias, fora do amor amplo e irrestrito, fora da solidariedade e da benevolência, fora da dignidade, da mudança interior e da coerência exemplar, não haverá evolução, desenvolvimento, equilíbrio, paz ou felicidade — nem para mim, nem para você, nem para o todo.”
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Nota da autora: este texto foi inspirado em algumas palestras/vídeos de Jan Val Ellam que nos apresenta a Revelação Cósmica e o Mentalma – novas ferramentas, novas possibilidades de caminhos para aqueles que buscam a verticalização do seu processo evolutivo nesta e em todas as vidas futuras. Ver em: https://www.youtube.com/@JanValEllam e https://www.janvalellam.com.br/
Imagem: https://pt.dreamstime.com/equil%C3%ADbrio–do–universo–da–vida–image107464022
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